terça-feira, 26 de junho de 2007

Vulgívaga


Vulgívaga


Não posso crer que se conceba

Do amor senão o gozo físico!

O meu amante morreu bêbado,

E meu marido morreu tísico!


Não sei entre que astutos dedos

Deixei a rosa da inocência.

Antes da minha pubescência

Sabia todos os segredos.

Fui de um... Fui de outro... Este era médico...

Um, poeta... Outro, nem sei mais!

Tive em meu leito enciclopédico

Todas as artes liberais.


Aos velhos dou o meu engulho.

Aos férvidos, o que os esfrie.

A artistas, a coquetterie.

Que inspira... E aos tímidos - o orgulho.


Estes, caçôo e depeno-os:

A canga fez-se para o boi...

Meu claro ventre nunca foi

De sonhadores e de ingênuos!

E todavia se o primeiro

Que encontro, fere a lira,

Amanso. Tudo se me tira.

Dou tudo. E mesmo... dou dinheiro...


Se bate, então como o estremeço!

Oh, a volúpia da pancada!

Dar-me entre lágrimas quebrada

Do seu colérico arremesso...


E o cio atroz se me não leva

A valhacoutos de canalhas,

É porque temo pela treva

O fio fino das navalhas...


Não posso crer que se conceba

Do amor senão o gozo físico!

O meu amante morreu bêbado,

E meu marido morreu tísico!


(Manuel Bandeira)

*Poesia sugerida por Sarita
Foto: José Gama

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